quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Na manhã do dia 26 de agosto, Carter enxergou o primeiro bloco de gelo. A nau balançava sonolentamente sobre um mar calmo e límpido, e a várias léguas a pequena mancha branca foi se insinuando contra o fundo azul claro do céu meridional. Não haviam gaivotas mais, e o ar estava limpo e frio como nunca. Nuvens brancas, cirros e estratos formados por milhões de partículas de gelo pintavam o céu a milhares de pés de altura e a imagem das velas brancas infladas contra esse fundo era algo calmo e tranquilizador. A pequena mancha branca se tornou azulada e Carter notou que chacoalhava tranquilamente ao embalo do mar. A massa congelada que a princípio parecia ter poucos pés de altura, logo assomou em maiores proporções, antes ofuscadas pela distância, e quando os alcançou tinha mais de 8 pés de altura. Caso sua rota estivesse na mesma deles, seria prudente desviar, mesmo que há vários dias não o fizessem, sempre seguindo resolutamente perpendiculares ao Equador.

A cada dia o astro rei descrevia um arco mais baixo sobre o horizonte, o frio aumentava, e a nau cotinuava rumando para o sul, fugindo da estrela polar, guardiã de segredos profanos, e se aproximando do continente gelado e das vastidões frias que abrigavam segredos cinzentos dos primórdios dos tempos. Há mais de 28 dias a embarcação se mantinha na mesma direção, sem desviar um grau sequer do sul. O vento ajudava, sempre vindo do norte em lufadas generosas, mas isto não era novidade pois um pacto generoso com Dagon havia sido feito em troca dessas aragens.

Parado na proa, as mãos jovens mas cansadas, os dedos longos agarrados carinhosamente a borda de madeira, Carter olhava sonhador para o grande mar a sua frente. Vestia uma camisa surrada e um colete de lã das cabras de Ulthar, e suas calças de veludo marrom levemente esfarrapadas nas bordas denotavam uma nobreza já perdida há algum tempo. Estava magro e cansado, os cabelos branqueando nas têmporas após aquele derradeiro encontro com o sumo sacerdote que não deve ser descrito, o rastejante caos Nyarlathothep e as viagens em busca de Kadath, passando pela fria e misteriosa Leng, descendo até o maléfico vale de Pnath, nos Abismos Supremos e atravessando todo o mundo onírico, até o chegar ao vazio absoluto no centro do espaço-tempo, onde o informe sultão do caos, Azathoth, se espoja e contorce no éter, ao som da mefítica flauta de mil sons, que leva a beira da insanidade todos que a ouvem .

Parado ali, sonhava dentro de sonhos. Esperava o momento em que o crepúsculo se estabeleceria definitivamente, e uma silhueta cinzenta, pontilhada por blocos brancos e coberta de picos negros basálticos se definiria no horizonte e marcaria o começo de uma nova e derradeira jornada.

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