sexta-feira, 8 de agosto de 2008

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Com alguns saltos, como que brincando, subiu o aclive gramado que levava aos pavilhões.

As suas costas as duas ou três casas com luzes amarelas elétricas já estavam parecendo deslocadas, como se houvesse atravessado um espelho d` água, um portal de vidro aquoso. Á sua frente os três grandes pavilhões se alteavam imponentes. Construídos pelo seu avô, à cerca de setenta anos atrás, brilhavam fantasmagoricamente sob a luz prateada do luar. A lua crescente parecia clarear somente aquela parte do mundo e, a retaguarda, reinavam as luzes vazias e descoradas dos postes e residências do mundo.

Dos grandes galpões, cheios quase até o teto com pilhas de madeira já cobertas de poeira, um se localizada á sua esquerda, uns dois metros acima, em outro platô, e o outro a sua direita, num terreno plano, cerca de 8 metros abaixo do pequeno morro gramado no qual se encontrava, de modo que ele ficava quase ao nível do telhadoda do prédio logo abaixo. O terceiro estava a sua frente, logo depois de um grande fosso cavado pela água, aonde haviam se acumulado com o passar do tempo grandes vigas de madeira, palanques de cerca e fios de arame e pregos retorcidos.

Um trilho de madeira saia de uma Quarta construção a sua retaguarda, e corria por sobre o grande fosso até o galpão, outrora usado para deslocar grandes toras por sobre vagões até o grande pavilhão. Seguiu em frente, para o galpão do meio, caminhando silenciosamente e triste por sobre os dormentes de madeira, apodrecidos e cobertos de musgo.

Brincava sozinho, pulando por vezes de um trilho para outro, tentando se equilibrar entre a passarela suspensa por onde corriam e a queda provavelmente mortal de uns quatro metros, uns dois ou três centímetros ao lado. O frio agora invadia sorrateiro suas costas. Pensou em se encolher para aquecer-se quando o estranho lhe disse para retirar a jaqueta azul, que estava se tornando incomoda já a algum tempo. Seguiu de camiseta e calças de algodão por sobre os trilhos, agora já coberto pelo telhado de galpão, porém ainda iluminado pela luz da lua um tanto baixa no horizonte a sua direita. As sombras pareciam esconder mil demônios entre as pilhas altas, que não se aventuravam para fora da escuridão para pegá-lo, embora essas criaturas ficariam muito satisfeitas caso fosse um dia de lua nova.

Chegou ao final do galpão, que tinha em torno de 40 metros de comprimento, e ali os trilhos terminavam em um terreno pedregoso e de vegetação baixa, composta de carqueja e pequenas gramíneas, por onde seguiu caminhando. Quando chegou a parte mais elevada do terreno, onde a rocha fria e negra aflorava limpa de qualquer vegetação, um desconforto assumiu seus pés repentinamente, como se estivessem em brasa, e uma estranha frieza que descia do corpo pelas pernas e parasse na altura dos tornozelos sem poder entrar para resfriar a queimação. O estranho mandou que ficasse descalço, porém, ele já havia se adiantado e tirado os dois sapatos de pano e sola fina que usava. Tirou também as meias, e os pés pareceram se adaptar ao terreno gelado. Sentiu uma onda de prazer assomar seu corpo, quando mais frio tomou conta do peito, subindo diretamente das pedras escuras pelas canelas através dos pés descalços, um frio gostoso, como um banho gelado em um dia quente de verão. Parecia que os raios vinham gelados e mortiços diretamente da lua, lá no alto, e entravam por cada poro aberto do seu corpo.

Seguiu correndo, o vento frio invadindo as narinas antes contaminadas por outros ares, e os pulmões pareceram encher se com um sopor de vitalidade. Aumentou a corrida e as pernas foram dobrando, os pés impulsionando fortemente o solo por sobre as lages, sem desconforto ou dor. A camisa começou a esquentar na parte frontal do peito, eliminando parte da sensação de prazer pelo ar gelado da noite naquele local, e era como se estivesse, após um banho, colocando uma roupa suja e suada, que colava no tórax suja e cheia de suor. Sem ordem do estranho rapaz, mas sabendo que fazia a coisa certa retirou a camisa e aumentou a corrida como nunca achara que podia. Chegou a uma construção imponente de madeira forte, os cabelos esvoaçando e o corpo inclinado para a frente e passou por ela com uma rapidez incrível.

Cruzava por uma velha torre de tijolos, erguida a vários séculos por alguém que não conhecia, que nunca estivera ali, e ao olhar para a frente viu campos e rios que já visitara várias vezes antes mas que durante o dia não estavam ali. Lugares de sonho aonde só ele podia ir.
Subindo a direita. chegou no aclive que levava ao planalto a beira do grande paredão vertical, que terminava abruptamente em uma queda de mais de 100 metros antes das terras Prata, povoadas pelos mais insanos criaturas e animais que conhecia, o lugar aonde ele era algo mais que um garoto chorando sentado sob uma viga, com o coração aberto e um nó na garganta, odiando as pessoas que mais amava pela incompreensão de que ele se achava fazer.

Pensou em tudo o que deixava para trás e não se arrependeu de quando, ao chegar na beira do precipício, como em muitas outras noites passadas Se atirou sem medo para abismos de sonho e de luz, aonde voavam criaturas aladas temidas pelo homem antigo, e despencar acima dos campos onde corriam criaturas que só a noite conhecia. Logo sentiu nascer um formigamento em suas costas, em meio as omoplatas, que durou pouco mais que um segundo e um solavanco o puxou para cima, quando as duas asas fortes e escuras irromperam dos dois lados da coluna, e ele alçou vôo, livre, sobre as terras Prata e sobre o Méden de onde só iria sair com o retorno da aurora.

Ou, se possível, nunca.

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