terça-feira, 27 de novembro de 2007

Pelo que realmente importa...II

Então sonhou novamente com algo diferente, algo profundo e real.


Nada de paisagens belas e dos lugares que ele ansiava ir, mas mesmo assim um sonho diferenciado e potente, que trazia a promessa de maior intensidade e profundidade no mundo onírico que ele ansiava em alcançar. Sonhou com amigos comuns e com situações um tanto distorcidas e banais do dia-a-dia, mas também sonhou com personalidades fundidas ao sonho que não faziam parte dele, como se fossem um pedaço de pano alvo em meio a lama, porém visto de longe e apenas rapidamente. Também sonhou que podia voar, e desta vez controlava os lugares para onde ia e a intensidade do vôo, um excelente sinal de controle.


Precisava agora alcançar lugares desejados enquanto no mundo de vigília, e obter o controle do sonho, e isso incluia estar ciênte de que estava sonhando, e não ficar correndo e voando a toa, como que dopado ou ignorante de que se encontrava em um mundo diferente do seu. Na base ele precisava alcançar algumas metas dos sonhadores mais experientes e isso só se conseguia com prática e vontade, sendo que ele já possuia o dom. Funcionava assim:


Antes de deitar-se, fixava o pensamento nos lugares que desejava alcançar e quando sonhava, após os primeiros sonhos leves e distorcidos, se encontrava no lugar que mentalizara enquanto desperto. Nesse sonho pré-programado, por assim dizer, ele tinha o controle de seus atos e apesar de o mundo em si, do “cenário” do sonho, ser forjado por outras mãos que não as suas, ele escolhera estar ali e tinha a capacidade de fazer o que quisesse, desde que tais coisas não interferíssem nas leis do local.


Porém ele também criava possibilidades em um mundo se acreditava fielmente nele, então como tantos outros sonhadores, se ele acreditasse que podia voar e desejasse isso no mundo diúrno, poderia alcançar essa meta no mundo dos sonhos mesmo que esse fosse semelhante ao nosso, aonde não se pode voar sem ajuda de algum aparato ou máquina.


Talvéz quando conquistasse tais metas, pudesse encontrar Lovecraft morando na sua desconhecida Kadath, ou talvéz em Celephais, dependendo do lugar que ele escolhera para passar o resto de seus dias. É óbvio que pessoas como ele e Lord Dunsany não morriam e se iam simplesmente como todas as outras, já que haviam criado e compartilhado com várias outras de tal segredo por vezes ignorado. O segredo de que poderiam criar seu mundo. Mas talvéz Lovecraft tivesse mantido segredo quanto a cidade que criara para ele. Talvéz ela fosse mais fabulosa do que Kadath e Celephais e sobre isso ele só poderia especular vagamente.


Em todos os casos encontraria no seu mundo pessoas conhecidas de eras passadas. Pessoas que o amavam de verdade e que eram as que realmente importavam para ele. Pessoas que esperavam por ele. Lá ele esqueceria de muitas coisas que julgara importantes nesse mundo porque elas seriam ofuscadas quando comparadas com as do seu antigo lar. Lá encontraria o carinho que ninguém sabia lhe dar e morreria nesse mundo para chegar aonde deveria se fosse necessário. Se tornava cada dia mais difícil viver da retribuição de poucos, recebendo quase sempre aversão quando demontrava admiração e carinho. O amor se tornava um artigo cada vez mais raro e, quando presente, machucava mais que tudo, por falta de quem o entendesse e soubesse dar-lhe o devido valor.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Pelo que realmente importa...

Quando começou o primeiro ano na faculdade e mudou-se para a cidade grande, já havia pesquisado muito mais que qualquer outro garoto sobre as paragens oníricas que alguns dos antigos pensadores e sonhadores falavam. Ainda não estava ciente disso. Tinha na leitura apenas um refúgio para as longas tardes e noites vazias quando só pensava nos ares puros e limpos da fazenda onde crescera. Passava horas e horas pensando nos amigos, nos banhos de rio e nas brincadeiras infantis. Tinha um amigo especial que pouca gente podia gabar-se de ter igual e era feliz onde morava antes. Comparada com a tarde mais monótona no lugar onde ele havia crescido, a tarde mais divertida na cidade grande era apenas leve distração. Ansiava pelos fins de semana e pelas horas de folga quando poderia, com a graça dos Outros Deuses, voltar para sua terra natal e rever tudo que ali, no cenário cinza e negro da cidade, apenas parecia o cenário de um sonho distante.


E quando estava caminhando e sonhando pelas estradas de terra da sua cidade natal, sonhava também, com outras dimensões e lugares distantes e aparentemente fora deste mundo. Tentava se transportar o máximo possível para a casa distante, no cume de uma montanha, e de onde podia observar o mais distante vale, e quase tocar o éter espacial quando a noite reinava isenta de lua. E nas noites de lua cheia, observava simultaneamente um crepúsculo vermelho e sanguinolento além do vale de Umhr, e a lua radiante, branca e cinza, surgindo por detrás das montanhas de Silkar, afastadas e silenciosas, espreitando além do vale do rio Skai.


Podia observar o crepúsculo sem precisar sonhar. Subia quase todas as tardes na mais alta árvore do pequeno bosque que rodeava a fazenda e o crepúsculo trazia lembranças e sonhos de mais longe do que ele ia com sua imaginação. Mas o crepúsculo o fazia chorar, como se em um passado remoto ele houvesse partido de um lugar amado, ou perdido a vida nessa hora tão mística do dia. A lua também existia fora dos sonhos e sob a luz dela ele corria pelos campos abertos, coloridos daquele tom azul que só o pessoal que vive no campo conhece. Vivia cada momento naquela luz azul e fria, mágica, que ilumina os sabás e as festas de Walpurgis e sob a qual uivam os lobisomens e as criaturas perdidas e banidas pela claridade solar. E como elas, ele também corria e uivava, sentindo-se mais forte e mais senhor de si do que em qualquer outra hora do dia e da noite.


E ao voltar pra casa deitava-se em sua cama, macia, aproveitando aquela sensação única e confortante dos lençóis gelados e relaxava o pescoço tenso em um travesseiro de penas que sua avó costurara havia anos. Seu amigo muitas vezes já repousava, embalado pelos braços de Reekham, e sonhava com outras coisas que ele desconhecia. Coisas banais. A maior parte meras recordações e cenas pobres feitas a partir de fragmentos de situações do cotidiano, pensava ele com tristeza, por não poder compartilhar de seus sonhos com a pessoa que mais admirava. Então ele partia para mundos oníricos, onde voava e saboreava momentos de pura fantasia, pairando pelos ares acima de sua casa, ao lado de amigos que ele conhecia apenas dos sonhos e pelos quais ansiava por reencontrar. E na manhã seguinte despertava, em uma paz inimaginável, com o cheiro de vida entrando pela janela e perfumando tudo, e mesmo que lembrasse de poucas coisas da noite passada, ainda assim podia saborear com doçura espaços e lapsos do sonho vivido.


Agora ele estava deixando de sonhar, e justamente no momento em que descobria que podia ir mais longe em seus sonhos do que apenas viagens curtas de uma noite. Lendo contos e relatos de escritores antigos e pessoas iluminadas com o dom de sonhar, ele finalmente achava seu caminho e descobria que com alguma concentração poderia penetrar mais profundamente, descobrindo novas terras e pessoas, e talvez até (desejava arduamente que os Outros Deuses lhe permitíssem!!), pudesse se transportar definitivamente ou por tempo generosamente mais longo, para aqueles espaços além das esferas definidas estupidamente pelos homens de cabeças pobres. Seu corpo ficaria aqui, em coma, dormindo ou até mesmo morto, mas ele iria viver sua existência e ser feliz, talvez voltando para ensinar ao seu amigo como sonhar e seguir ao seu lado.


Eram esses os seus planos até o momento em que os sonhos começaram a abandoná-lo. Ansiava arduamente por retomar os sonhos (mesmo que pequenos e pobres de detalhes...curtos) e precisava fazer isso logo, antes que os ares da cidade acabassem com sua inocência e ele perdesse para sempre a chamada Chave De Prata, que abria os portões para as terras dos sonhos mais profundos. Esperava que o ópio, com seu poder entorpecente pudesse ajudá-lo e tinha esperanças fortes de que se lutasse mais arduamente, poderia retomar o caminho esperado.