terça-feira, 7 de agosto de 2007

Luana

Ontem a noite eu tentava dormir

Quando lembrei das chamas frias que calcinaram meu passado.

E que vinham de nenhum outro lugar senão os seus olhos.

Olhos fundos, frios, e prenúncio das loucuras que você viria a trazer ao meu lado. Matando o silêncio da noite com sua voz, que engana a todos que pensam que ela é humana.

Humanamente impossíveis são os teus afagos. Sentidos por magos esquecidos, por alquimistas da ciência proibida e pelos bravos soldados derrotados, que esperam a morte derradeira em meio ao silêncio do campo de batalha, silêncio apenas quebrado pelo riso zombeteiro das hienas e pelo grito aziago de abutres.

Sonhos antigos. Um mundo irreal. Sons como o vento que sopra das catacumbas, que sai ululando daquelas portas de mármore entalhadas por mãos mortas a eras e que quando cruzadas levam aos abismos insondáveis sob a areia, aonde ainda estão em pé, cidades pré humanas talhadas na própria rocha e esquecidas desde tempos imemoriais.

Magia negra feita nas madrugadas, ritos cabalísticos á sombra de salgueiros seculares, necromancia em meio a criptas e ruínas druídicas de pedras, práticas horrendas de licantropia iluminadas pela luz fria e azulada da lua.

Você sempre esteve comigo quando me aventurava nas inúmeras saídas e fugas da realidade destroçante do dia-a-dia.

Você nunca se afastava mas hoje parece ter partido sem motivo.

Você que a tantos causa repulsa, e cuja beleza jovial é sufocada pela idade incomensurável presente em seus próprios olhos.

Você, fria e misteriosa, que carrega a malignidade e a peste nas mãos, a tempestade nos pés, e a morte solitária no coração. Que traz nos cabelos o negrume e a sombra dos abismos mais profundos, e na pele, a alvura do gelo eterno e intocado sobre as montanhas da loucura.

Tu, que conheceu Sarnath quando ela ainda era jovem e próspera, que chorou quando o pequeno garoto ergueu as mãos para o céu e invocou em sua sede de vingança, todos os gatos de Ulthar. Que conheceu e dançou ao lado de Iranon, o jovem príncipe, em sua busca pela sua terra de sonhos, e que já esteve ao lado até mesmo do temido Nyarlathothep, a alma negra do antigo Egito.

Tu, minha amada, de beleza e mistérios maiores que os da própria Nathicana, e a quem me entrego morto, apenas para que me feche os olhos.

Mas os relances de memória não param. Cada vez me chegam mais coisas á mente. E então como um tiro rente aos tímpanos chega um tom que eu conheço a décadas mas que não ousava reproduzir nem mesmo em pensamentos.

Agora sim quase tudo está completo.

Lembro-me agora da estrela polar e dos cantos em códigos, indecifráveis pelos povos comuns, que dela provinham. Cantos esses que você decirava em ondas e irrealidade e tranformava em notas desconhecidas pelos homens mais sábios da música. Tranformava, traduzia, projetava e enviava em uma música inominável, nauseante e que me levou por várias vezes, á diferentes épocas e aos extremos do prazer e da loucura.

Cante novamente, queiram os grandes antigos.

Cante para mim e para o mundo. Sussurre sua música em meu ouvido e segure em meus cabelos e em meu braço para que eu não possa escapar quando a realidade ameaçar me afogar nos mares do infinito e do além, do cósmico e do incompreensível.

Cante e seremos transportados para aquele lugar onde reinam os que já se foram.
Aquele lugar que os mais profundamente viciados no ópio apenas enxergam de relance em meio a uma cortina de almas e fantasmas, não ousando olhar mais de perto.

Cante no meu ouvido....

baixinho e melodioso.....

e serei seu....eternamente seu.

Nenhum comentário: