Entrou na sala caminhando leve. Estava fresco como em um dia de primavera e as vestes eram confortáveis. As sandálias estalavam no piso de pedra e o burburinho terminou assim que ele entrou, de forma que o silêncio só era quebrado pelo som do vento e de algumas aves no exterior do edifício de pedra.
O Liceu ficava em uma cidade importante do império e frequentá-lo era imperativo para uma seleção de jovens de mente mais avançada. De qualquer forma os jovens eram uma mercadoria rara nestes tempos. Na verdade não era bem um Liceu, já que fazia vezes de outras instituições, tendo características militares e governamentais também. Era um edifício gigantesco de pedra, construído sobre bases mais antigas que o próprio império, as quais foram se adicionando anexos e novas construções. Mesmo assim as pedras mais novas tinham sido assentadas a mais de 70 anos. A grande maioria a mais de 700. A sala onde estavam os professores e o inspetor de educação do governo era construída no centro do grande edifício era assessível somente por uma porta do lado sudoeste.No centro da sala uma mesa muito grande em forma de crescente voltada para oeste com bancos no lado exterior, apresentava o peso de alguns milênios em sua superfície de pedra gasta. Nas extremidades estavam sentados os professores. No centro estavam dois outros alunos. Por estar localizada no centro do edifício, a sala era mais escura e fria que o resto e a única iluminação provinha de janelas no alto das paredes, pelas quais a luz entrava passando pelas outras salas.
O jovem garoto entrou segurando um livro debaixo do braço. Um livro cujo idioma somente ele compreendia. Não tanto o livro, mas mais o que sua mente encerrava era o que causou o silêncio de todos na sala. Estava atrasado, e sabia disso. Era um desafio aos professores. O inspetor, com suas vestes azuis berrantes estava impassível e o professor chefe na sua frente estava nervoso por começar logo com as entrevistas.
Sentou-se, praticamente no centro da mesa. Não tinha ninguém na sua direita desta vez. Abriu o livro e começou a ler, sem dar atenção aos professores. Seguiram-se mais uma ou duas perguntas. O aluno de vestes brancas, iguais as suas, respondeu todas com facilidade. Era seu melhor amigo e observava ansioso o embate silencioso entre o grupo. O segundo aluno, de vestes amarelo claras, era novo e errou insistentemente toda e qualquer pergunta que lhe fizessem, a despeito das dicas dos colegas. Então o professor chefe, com seu turbante branco, resolveu que era hora de demonstrar ao inspetor a eficiência do ensino. Queria se aproveitar de um conhecimento adquirido por outras vias por mérito próprio.
- Este sabe das coisas. Podemos perguntar-lhe qualquer coisa, Você vai ver só. - E voltando-se para mim disse: - Diga-me, ..., quais são os 5 reinos do pré império?
Permaneceu indiferente ao olhar inquisitivo do professor e nada saiu de seus lábios. Nem mesmo levantou os olhos do livro. Era uma pergunta simples.
Tentando de novo, o professor retrucou no mesmo tom anterior:
- Para reverter a química de uma decisão humana, usando-se a força de vontade, quais os três passos básicos e as cinco primeiras palavras certeiras?
Ai sim estava uma pergunta desafiadora. A impassibilidade do inspetor abandonara seu rosto e ele olhava intrigado para o jovem estudante, esperando uma resposta que podia ser dada por muito poucos na atualidade.
O jovem ergueu a cabeça do livro. Primeiro seus olhos sorriram e depois uma risada saiu de sua boca. Todos na sala a exceção do aluno de vestes brancas se encolheram. A voz dele era perturbadora mesmo quando ria. Fazia muito tempo que não falava e não saia da biblioteca e nenhum dos professores havia ousado se encontrar sozinho com ele. Ficou de pé e, a despeito de todas as esperanças não foi a resposta que saiu de seus lábios. Eles queriam ouvir aquilo que não tinham coragem de pedir e que ficavam circundando com perguntas inúteis? Pois iam ouvir. Lentamente foram se desfiando pares de palavras ininteligíveis. Composições que não podiam ser escritas nem pronunciadas por humanos mas que ali adquiriam mobilidade e se transmitiam pelo ar pesado, atingindo os professores não tanto nos seus ouvidos quanto dentro de suas cabeças e nos seus estômagos. A fala toda não durou mais de 15 segundos, mas foi o suficiente para que o professor trincasse os dentes e exibisse um olhar apavorado, semelhante ao de alguém que vê uma pessoa cortando as próprias mãos.
O inspetor estava enojado e indignado. Certamente todos os responsáveis pelo Liceu teriam que responder pelo que havia sido presenciado e como aquele conhecimento havia chegado as mãos de um aluno. Não faziam ideia de que os predestinados a encontrar a Sabedoria Antiga não precisavam de livros nem aulas. Mas Aquela fora a afronta final. A sorte estava lançada.
Colocando o livro embaixo do braço, o jovem saiu da sala. Uma ordem foi dada imediatamente aos guardas do liceu e tudo aconteceu muito rápido. O rapaz chegava aos pátios externos para uma caminhada quando foi parado pelo guarda armado com uma lança. O guarda então mandou que ele parasse e tirando uma ânfora do chão, jogou uma espécie de óleo aromático no chão e mandou que ele se sentasse ali. Seu amigo vendo aquilo, entendeu o que se passava e começou a gritar. Ignorando os protestos do guarda ele seguiu até o final do corredor e deu um abraço. Não foram trocadas palavras, mas ambos sabiam que agora as coisas no Liceu iriam melhorar. Que os professores iam pagar pelos outros erros. Logo o governo se daria conta do que se passava ali e interviria. Porém aquilo tinha um preço e havia chegado o momento da despedida. Voltei então para o lugar onde o guarda tinha me mandado sentar, sentei e encostei a cabeça em uma das colunas de arenito, sentido a pedra gelada em minha orelha. O óleo ressendia em estranhos espirais que mudavam a cor da luz que passava por eles. O cheiro era muito bom. O guarda então jogou mais óleo por cima de meus cabelos e roupas, colocou a ânfora no chão e com a ajuda de algum utensílio, prendeu fogo ao rapaz. Dava para sentir o calor derretendo os cabelos, e o cheiro bom do óleo no ar. O crepitar do fogo nos ouvidos era assustador e o calor logo começou a devorar tudo. Da barreira além do fogo chegavam os gritos desesperados de alguém que assistia a tudo impotente. E assim ele foi adormecendo, sabendo que a hora da viagem havia chegado.
E assim ele ascendeu.
quinta-feira, 16 de maio de 2013
Voltando a escrever depois de muito tempo. Pra começar vou escrevendo conforme as coisas forem saindo. Não sei se a decisão certa seria pedir desculpas aos leitores, até porque já faz tempo que não tenho nenhum. Acho que no fundo sempre escrevi para me livrar de um peso, o peso das coisas que você precisa contar para alguém. O problema sempre foi que algumas coisas não podem ser contadas para alguém em especial, então um blog serve para que você se desfaça de um peso e passe algo adiante, seja lá quem venha a ser o receptor.
Enfim, vivi bastante e mudei. O cerne é o mesmo.
Não vou relatar tudo o que aconteceu nos últimos tempos. A notícia é que tenho voltado a sonhar. Tenho diferenciado os sonhos bons dos "ocos" e o próximo passo seria dormir com uma caderneta ao lado da cama pois a não ser que eu pense exaustivamente na coisa toda logo após acordar, logo eles somem e tenho me sentido agoniado com a sensação de tantas coisas fantásticas sendo esquecidas. Mesmo assim não foi por isso que voltei a escrever. O motivo foi bem mais banal. Em todos casos talvez seja bom esse retorno.
Sem mais delongas...talvez essas tenham sido as boas vindas minhas para uma parte de mim mesmo.
Enfim, vivi bastante e mudei. O cerne é o mesmo.
Não vou relatar tudo o que aconteceu nos últimos tempos. A notícia é que tenho voltado a sonhar. Tenho diferenciado os sonhos bons dos "ocos" e o próximo passo seria dormir com uma caderneta ao lado da cama pois a não ser que eu pense exaustivamente na coisa toda logo após acordar, logo eles somem e tenho me sentido agoniado com a sensação de tantas coisas fantásticas sendo esquecidas. Mesmo assim não foi por isso que voltei a escrever. O motivo foi bem mais banal. Em todos casos talvez seja bom esse retorno.
Sem mais delongas...talvez essas tenham sido as boas vindas minhas para uma parte de mim mesmo.
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